acidente vascular encefálico

Relato de casos: acidente vascular encefálico

O sintoma oftalmológico como apresentação inicial de acidente vascular encefálico (ou AVC).

Há uns três anos atrás dois homens de quem eu era oftalmologista há mais de 10 anos vieram ao consultório com queixa de perda localizada e súbita de campo visual dos dois olhos. A referência era uma mancha em determinada posição do olhar,bloqueando a visão naquela área. Ambos perceberam o problema ao acordar pela manhã!

O exame de campo visual confirmou, nos dois casos,a presença de defeito campimétrico que sugeria,pela forma súbita de apresentação e tipo de defeito,provável acidendente vascular encefálico (AVE ou AVC,de acidente vascular cerebral). Foram ambos internados em regime de emergência e tiveram confirmação do AVE em exames de ressonância magnética. Depois de medicados, ambos referiram desaparecimento da “mancha na visão”,um mais cedo (algumas horas após a internação) e outro depois de alguns dias. Exames campimétricos realizados trinta dias após a alta hospitalar confirmaram a alteração importante das perimetrias anteriores. Os defeitos residuais em ambos,eram relativos e superficiais (no dia da internação os defeitos eram absolutos, ou seja,não enxergavam nada nas áreas atingidas).

Fiquei bastante contente com o fato de termos conseguido evitar conseqüências maiores de um AVE, em virtude da imediata hospitalização. Não é tão comum um acidente vascular encefálico apresentar como primeiro sintoma alteração visual. Os sinais de localização indicam a área atingida. No caso deles foi uma região especifica do córtex occipital que é responsável pela visão.

Ambos tiveram um desfecho bastante positivo: os danos conhecidos dos acidentes vasculares foram evitados porque os pacientes foram hospitalizados e diagnosticados em tempo hábil. A Medicina ganhou mais uma batalha. Os recursos diagnósticos e terapêuticos permitiram “resolver” o problema dos pacientes e devolver a eles a saúde que aparente- mente estava sob controle antes do AVE de ambos. Certo?

Errado. Menos de um ano depois voltaram a ser hospitalizados. O primeiro, mais jovem, desta vez não escapou das perdas motoras características da doença vascular encefálica (AVE) . Hoje,em tratamento fisioterápico,busca retomar sua auto-suficiência. O outro, infelizmente, faleceu.

Vou nos proximos posts comentar individualmente cada caso.

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Defeito de campo visual,AVE e arritmia cardíaca

Este é um dos casos que serão relatados a respeito de alteração campimétrica como sintoma inicial de acidente vascular encefálico (ou AVE):

Um homem de 65 anos,que convivia há vinte anos com uma arritmia cardíaca fazia uso de três drogas para manter seu quadro estável. Sentia-se bem, assintomático do ponto de vista oftalmológico e fazia exames de rotina a cada dois anos, até o dia em que notou,ao acordar,a perda de parte do seu campo visual.

Confirmado o defeito de campo visual e relacionado a provável evento neurológico foi internado para confirmação diagnóstica e tratamento.

Trinta dias após a alta hospitalar, retornou para avaliação da visão. Estava muito satisfeito por não ter tido seqüela alguma, visual ou física, do AVE que tivera. Relatou que  o acidente isquêmico deveu-se à deficiência da anticoagula- ção a que se submetia há muitos anos, devido à arritmia cardíaca. Ele usava um medicamento e decidiu trocá-lo pelo genérico, de menor custo. Quando deu entrada na emergência do hospital, foi avaliado o seu INR (índice que avalia o risco de trombose), que estava muito abaixo do ideal para reduzir o risco de acidente tromboembólico.

Foi-lhe dito que, apesar da medicação estar sendo usada, a anticoagulação estava deficiente. Assim que tomaram as medidas necessárias para aumentar a “fluidez”do sangue,o campo visual começou a melhorar e após alguns dias de estabilidade,teve alta com instruções para monitorizar constantemente seu INR e visitar periodicamente o seu cardiologista.

Ele voltou a usar a medicação antiga e estava “bem” até que teve novo AVE, como eu já havia dito no post anterior.

O que eu não disse foi que ao retornar para uma revisão do grau dos óculos, mais de um ano depois, ele estava amargurado com a seqüela física que ainda o incomodava e reclamava dos médicos. ”Nunca, nesse tempo todo de arritmia,usando anti-coagulantes, fui orientado a fazer qualquer alteração na minha alimentação por causa do remédio  que eu estava usando…talvez pudesse ter evitado tudo isso…”

Ele estava se referindo à influência de alguns alimentos na qualidade da anticoagulação de alguns remédios utilizados com esta finalidade. Alguns medicamentos têm a sua eficiência diminuída quando comemos alguns alimentos específicos. Se não pudermos evitá-los, pelo menos devemos aumentar a dose da medicação para que o mesmo efeito seja obtido. E nem preciso lembrar que só o médico está habilitado a fazer estas alterações e sempre de acordo com as normas existentes para tal fim ou assistido por um nutricionista.

Estive recentemente num simpósio sobre trombose e conversando com uma das palestrantes, falei sobre esse paciente e o uso de genéricos. Ela confirmou que, com certeza, a anticoagulação ineficiente não fôra causada pela substituição da medicação,uma vez que no serviço público,todos os pacientes atendidos por ela usam as drogas mais baratas e não havia nunca sido reportado entre eles, falha atribuível a essas drogas. A causa mais freqüente era o controle insuficiente do INR devido à alimentação inadequada. Por falta dos ajustes necessários.

Vamos rever o caso? Trata-se de um homem com escolaridade superior, que ainda jovem teve que lidar com uma arritmia, mas que até hoje, ainda não havia se dado conta da complexidade que envolvia o seu tratamento. Ele era um leigo no assunto, mas será que os médicos que o tratavam também não sabiam e, só recentemente quem estuda a anticoagulação percebeu a relação entre a dieta e a eficácia da medicação?

Ele também delegou a outros a responsabilidade sobre a sua saúde. Não é questão de confiar ou não no outro. A quantidade de informações que devem ser cruzadas para se chegar a um consenso a respeito de cada caso especifico e único em sua apresentação torna impossível que possamos dar conta de tudo sozinhos. Nós, médicos, precisamos que o paciente nos veja como profissionais amigos que têm a tarefa de ajudá-los a se cuidar, mas que precisamos de parceria neste processo. Perguntem,questionem,dividam conosco suas dúvidas e deixem que dividamos com vocês as nossas. Somos humanos não somos deuses.

De qualquer forma, como disse antes, como os avanços da medicina acontecem após muitos anos de tentativa e erro,como em todas as áreas do conhecimento humano, é bem mais prudente e nos poupa tempo, dinheiro e saúde,fazermos a prevenção das doenças.

Você não está de acordo?

sobre anticoagulação

Sites onde você encontra orientação sobre anticoagulantes, definição de INR,drogas alopáticas,fitoterápicas (“remédios naturais”) e alimentos que potencializam ou reduzem os efeitos destas drogas:

www.mdsaude.com/2009/01/interacoes-com-varfarina-marevan.html#imxzz163SeGov

www.fqm.com.br/Site/br/publico/Anticoagulacao.aspx#p15

Outra referência sobre anticoagulantes orais e vitamina K

www.drashirleydecampos.com/noticias/17983

Alimento funcional e arritmia cardíaca

Uma link interessante sobre alimentos funcionais, publicado por Marcos Vinhal Campos,2008 www.revistavigor.com.br/2008/08/19/alimentos-funcionais-uma-nova-alternativa/

Outros:

http://portaldocoracao.uol.com.br/materiais.php?c=nutricao&e=450

www.nutricaoativa.com.br

Defeito campimétrico e AVE…outro caso

O segundo caso de defeito campimétrico como sintoma isolado de acidente vascular encefálico (AVE)

O outro paciente era um homem de oitenta e oito anos quando teve o AVE de apresentação oftalmológica. De forma muito semelhante à do paciente descrito anteriormente, também referiu ter percebido ao acordar uma “mancha no campo visual”. Uma vez confirmado o defeito campimétrico e sem outras possibilidades diagnosticas, foi hospitaliza- zado. Na ressonância magnética o AVE foi confirmado.

Sobrevivente de um câncer (radio e quimioterapia) há pouco mais de dez anos, se sentia bem,não usava nenhuma outra medicação exceto colírios para a única doença que ele sabia ser portador: um glaucoma crônico simples.

Vivia de bem com a vida e era disciplinado em relação à sua saúde. Ou ao que ele conhecia sobre saúde. Mas aparenta- va uma “saúde de ferro”,uma higidez impressionante para a idade que tinha. Muito ereto,magro,falava bem,não tinha nenhuma dificuldade motora.Memória excelente.Uma discreta perda auditiva.Ele sempre me impressionava cada vez que nos encontrávamos.

Há algum tempo é sabido que, em indivíduos com câncer, algumas alterações na “cascata da coagulação sanguínea” estão presentes. As diferentes rotas de funcionamento do organismo, que o levam ao processo oncológico, alteram também o equilíbrio entre coagulação e sangramento. Como um pêndulo, essa relação volta e meia se desloca num sentido ou no outro.

Ele se saiu bem do primeiro acidente vascular, sem nenhuma seqüela. Pouco mais de um ano depois, não resistiu à segunda hospitalização. Entre um episódio e outro já utilizava mais de duas drogas sistêmicas.

O que havia feito o organismo mudar tanto em um ano?

Ou foram dez anos sem sintomas após o câncer e quando eles apareceram nada mais eficiente poderia ser oferecido a ele do que resolver o evento vascular emergencial e tentar mantê-lo mais tempo vivo, auxiliado pela medicação sugerida?  Nada poderia ser feito porque ele já tinha uma idade em que o organismo não tinha mais como se ajudar,dependia exclusivamente da química oferecida,que não foi suficiente ou ele chegou aos oitenta e oito, aparen- temente bem, hígido,porque estava ainda em condições de se manter por mais tempo, se não fosse o “contratempo” surgido? O que aconteceu, de fato? Não saberemos nunca. Cada um de nós ficará com a verdade que mais lhe convier.

O fato é que de nada adiantou o diagnóstico precoce realizado em ambos os pacientes quando do primeiro episódio de AVE deles. Num prazo mais longo ambos tiveram desfechos negativos. Naquela época esses episódios foram como um “soco na boca do estomago”. Mais um.

Sabe como você se sente quando faz tudo certo, pensa que ajudou alguém para em seguida perceber que foi em vão? No caso deles, apenas se acrescentou menos de um ano a mais ao bem estar de um e à sobrevida do outro. Cada vez mais eu me desapontava com a medicina que praticava.

Nunca é demais dizer que nós, médicos, não podemos assegurar qualidade de vida a nossos assistidos se não pensa- mos e agimos visando o longo prazo. Muito menos ainda se não somos capazes de fazer o individuo enxergar que nós não temos o poder de recuperar a saúde de ninguém.

Cabe ao paciente, buscar todas as formas de melhor cuidar de sua saúde enquanto saudável e não apenas quando surge a doença. Neste momento podemos ajudá-lo a melhorar os sintomas, resolver pontualmente o problema que o incomoda, mas de forma alguma podemos garantir qualidade de vida em sua longevidade.

A conclusão é que o cuidado com a saúde deve ser contínuo e não é incompatível com o prazer, desde que haja equilíbrio e bom senso. O controle da higidez deve vir de longe. Começar cedo. É assim que deve ser. Assim como nos preparamos para a vida profissional, etapa por etapa, deveríamos ter a mesma proposta em relação à saúde. Preocupamo-nos com o intelecto e o aprendizado para o futuro, mas na saúde o investimento tem sido zero. Em vez de poupar ou de acrescentar, gastamos nossas reservas na juventude.

Saúde a longo prazo  e  longevidade com qualidade de vida são conquistas dos  próprios indivíduos,apoiados nos cuidados dos médicos que os assistem.Eles não podem nem devem esperar do profissional de saúde solução para todos os seus problemas.Não existe solução eficiente e duradoura para alterações funcionais desenvolvidas dia após dia e devidas, em sua grande parte, a escolhas equivocadas.

A saúde é um bem pessoal e intransferivel.

E uma conquista diária!