Ontem fiquei muito feliz porque assisti a um “webmeeting” sobre glaucoma e um dos palestrantes comentou que num futuro não muito distante?! (mais uns 10 anos,segundo ele),o oftalmologista estaria prescrevendo para o seu paciente,alem de medidas terapeuticas cabiveis (em cada caso), orientações sobre mudança de habitos alimentares e pratica de exercicios fisicos.Pra quem não sabe,o oftalmologista era visto pelas outras especialidades como um “não médico”.Assim como a ortopedia e a otorrinolaringologia.
Creio que nós,dessas especialidades,realmente ficavamos tão absorvidos com a multiplicidade de doenças que nunca haviamos visto ou ouvido falar durante a nossa formação clinica anterior, que esquecemos,durante muito tempo, de perceber a conexão do olho,por exemplo,com o restante do organismo.Um ou outro médico nunca perdeu essa percepção.
Mas a maioria de nós foi se afastando da visão do todo,a ponto de poucas vezes tratar o paciente de forma global,tomando ciencia das suas queixas não oftalmologicas,verificar possivel relação delas com a disfunção ocular e buscando o cuidado multidisciplinar para seu paciente.Nós no máximo referiamos o paciente ao especialista que julgavamos ser necessario e ponto final.Não havia interação,não havia troca de ideias a respeito da medicação a ser instituida e suas repercussões sobre o olho,p.ex..
Mas estou usando a forma verbal errada: isso ainda acontece muito hoje! Quantas vezes examinamos pacientes com queixa de dor de cabeça,não encontramos causa oftalmologica para ela e após uma conversa breve com o paciente descobrimos que ele trocou de médico cardiologista,que mudou sua medicação para abaixar a pressão arterial,apesar dela estar se mantendo em niveis normais (“ele disse que era um medicamento novo,melhor,o antigo já não era mais usado, na maioria dos casos”).
Acontece que aquele remedio em questão era um agente betabloqueador,droga usada tanto na hipertensão arterial quanto na enxaqueca (migranea).Enquanto o paciente estava usando aquela medicação estava tambem “tratando” a sua enxaqueca…que reapareceu quando mudaram o seu remédio,sem ao menos se inteirar da coexistencia das duas doenças.E,na hipotese do médico saber da presença da enxaqueca deveria pelo menos ter alertado o paciente e orientado a retornar ,caso o sintoma reaparecesse.Como essa, muitos outras vivencias diarias apontam para o fato de, nós oftalmologistas,estarmos realmente distanciados da prática clinica,cardiologica,neurologica e de tantas outras especialidades.
A relação médico-paciente é que estabelece ou não o grau de confiança necessario para a fidelização ao tratamento e a melhora do paciente.E o interesse do medico pela saude geral do paciente é o primeiro passo nessa direção.Afinal estamos tratando da D.Fulana e não do olho da D. Fulana.Somos médicos,responsaveis pela saude,como um todo.E,não poucas vezes,um pequeno detalhe que percebemos pode fazer toda diferença para o paciente.Pode melhorar muito sua qualidade de vida e até mesmo antecipar um diagnostico que só seria feito quando fossem pequenas as chances de tratamento,levando então a um desfecho negativo.
A percepção dessa distorção está levando os medicos a adotarem um olhar multidisciplinar no cuidar do seu paciente e à constatação da necessidade de mudança de paradigmas.Todos nós médicos,independente da especialidade, somos co-responsáveis pela saude do paciente.
O assunto ontem era a importancia da microcirculação (e sua regulação) na identificação dos pacientes de risco (de desenvolverem a doença glaucomatosa) e no controle efetivo da pressão do olho.Como consequencia, a constatação da necessidade de consenso entre oftalmologistas e cardiologistas.
De uma interação maior entre nós médicos.De um olhar mais global,menos reducionista.E de uma ação mais fundamentada no amor à arte de cuidar (da saúde) do outro.