nervo óptico

O glaucoma e a pressão intra-ocular (PIO)


O glaucoma é uma doença causada pela pressão intra-ocular elevada?

 “Quanto mais aprendemos sobre o glaucoma, mais percebemos que a pressão intra-ocular é um fator de risco importante para o glaucoma, mas apenas um dos vários fatores de risco”. Dr. Rick Wilson,Wills Eye Institute, 2001

            A maioria dos pacientes pensa que glaucoma é o aumento da pressão intra-ocular pura e simplesmente. Seria mais fácil seu controle se fosse apenas isso. Como em todas as áreas do conhecimento médico, cada vez mais surgem dados que nos lembram que nenhum órgão está isolado do organismo. Tudo que acontece localmente tem repercussão sistêmica, ou seja, no todo, e vice-versa. Então se antes pensávamos no glaucoma como uma doença do olho, hoje podemos dizer que os sinais e sintomas da doença são oculares, porém muito provavelmente a falta de regulação vascular (que acontece em todas as áreas desse organismo e não só no olho) é a responsável pelo aparecimento da doença naquele indivíduo.

 

Está à sua disposição, na internet, um texto bem elaborado e de fácil entendimento a respeito da doença glaucomatosa, de autoria do Dr. Leôncio de Souza Queiroz Neto, oftalmologista do Instituo Penido Burnier, de Campinas. Leia, acessando o link abaixo:

www.drqueirozneto.com.br/patologias/glaucoma/oquee.htm

 

O glaucoma, então, é uma doença crônica progressiva. Mais especificamente, é uma neuropatia óptica isquêmica (oxigenação insuficiente do nervo óptico). E, em outras palavras, não tem cura. O indivíduo deve permanecer em tratamento por toda a vida procurando deter (ou lentificar ao máximo) a evolução da doença, conseguindo a estabilização da visão periférica e a manutenção da visão central pelo tempo de vida que venha a ter. Assim como acontece com todas as doenças crônicas degenerativas, como a hipertensão arterial (“pressão alta”),o diabetes mellitus (“diabetes”)e tantas outras comuns nos dias de hoje.

Mas, quais seriam os indícios (pistas) que o oftalmologista teria em relação à doença glaucomatosa e quais os sintomas que levariam o indivíduo a suspeitar da doença e procurar o oftalmologista?

Bem, infelizmente a doença glaucomatosa é assintomática, ou pelo menos a maioria de nós, médicos alopatas (ortodoxos ou tradicionais) assim a vemos. Isso porque não incluímos em nossos “estudos científicos”, sintomas inespecíficos que alguns indiví duos trazem de longa data e que, até hoje, não pudemos relacionar de forma assertiva ao glaucoma.

Então, cabe ao oftalmologista, na visita rotineira (check-up), avaliar cuidadosamente o fundo do olho do indivíduo, dando atenção especial ao nervo óptico e medir sua pressão intra-ocular. Deve estar atento também à genética e à presença de doenças vasculares que podem sinalizar maior risco de desenvolver a doença glaucomatosa, além de submeter o indivíduo a exames complementares, sempre que necessário, para melhor estratificar o risco de cada um em relação à neuropatia óptica glaucomatosa.

Para que seja feito este acompanhamento, é preciso que o indivíduo procure o especialista. Apesar de primária, essa observação é necessária. Que se procure um médico regularmente para identificar fatores de risco, para esta ou qualquer outra doença crônica degenerativa. Nós, infelizmente, ainda não temos o hábito da prevenção, ou melhor, ainda, da promoção de saúde. Apenas um percentual da população tem acesso a este tipo de intervenção. A grande maioria ainda sofre buscando a sobrevivência e não tem acesso ou mesmo desconhece que esse tipo de estratégia seja possível. Já vivenciei casos (no serviço público), em que a família busca atendimento para uma cegueira que “… aconteceu há menos de três dias…”, quando o que vemos é um nervo óptico absolutamente atrófico, sinalizando a cronicidade da condição que teve como desfecho a cegueira (agora irreversível). Foram anos de doença não diagnos- ticada!

E mesmo quando tratados, os pacientes devem ser informados de que o tratamento do glaucoma,assim como de todas as outras doenças crônicas degenerativas é uma luta a ser travada dia após dia, sem trégua!

E nesse processo devemos manter a pressão intra-ocular estável durante o dia e à noite. O acompanhamento contínuo, através de exames clínicos e de imagem, nos informará sobre a eficácia do tratamento. A evolução da perda funcional, em um olho com a pressão aparentemente controlada indica que existe instabilidade pressórica. Mudanças na medicação devem ser feitas e deve ser avaliada a necessidade de indicação cirúrgica.

 

O glaucoma é a segunda maior causa de cegueira tratável. A primeira é a catarata (cuja má visão se reverte após a cirurgia, desde que não existam outros fatores contribuindo para a baixa visual). No caso do glaucoma, a cegueira pode (e deve) ser combatida com tratamento personalizado, caso a caso.

Nem sempre os resultados são os esperados, mas na grande maioria das vezes, o tratamento é eficaz na prevenção da cegueira!

 

Leia também    “A hipertensão ocular de hoje será o glaucoma de amanhã?”    no link abaixo:

http://duvidasemoftalmologia.wordpress.com/wp-admin/post.php?post=146&action=edit

 

 

Nervo óptico, doença vascular e inflamação crônica: NOIA-NA

NOIA-NA ou neuropatia óptica isquemica não arterítica


Este é um caso a respeito de como a Medicina erra quando isola um órgão ou sistema do resto do organis mo ou de como estão absolutamente interligados os eventos vasculares e inflamatórios sejam eles de apre sentação oftalmológica, cardiológica, neurológica ou odontológica (apenas para citar alguns exemplos).

O paciente, um homem de 53 anos de idade que eu acompanhava há uns cinco anos veio à consulta com queixa de dificuldade visual havia poucos dias. Ele a definia como uma mancha na parte superior do campo visual, do tipo “nuvem”, que dificultava a visão e dava impressão de embaçamento (sic). Umas duas semanas antes notou lacrimejamento intermitente acompanhado de “irritação ocular” neste mesmo olho.

Atualmente sedentário e sem controle dietético, já tinha diagnóstico clinico de hi- pertensão arterial e apnéia obstrutiva do sono (em uso de CPAP, um dispositivo usado para aumentar a qualidade da oxigenação durante o sono nos portadores de apnéia). Ele havia sido atleta até os 30 anos. Após os 45 anos de idade não fez mais nenhum tipo de exercício. Atualmente se queixava de muita ansiedade e estresse. Estava com sobrepeso de 10 kg e cintura abdominal acima do padrão. Referia também uma patologia odonto- lógica de longa data (25 anos) que havia piorado nos últimos quatro meses. Além disso, relatara a descontinuação da medicação anti-hipertensiva e do anti-agregante plaquetá- rio, já havia alguns meses.

Foram realizados alguns exames complementares e ele  foi encaminhado ao clinico geral, ao cardiologista que o acompanhava e ao neurologista. O desdobramento do caso mostrou que afinal, a vasculopatia sistêmica teria sido a causa mais provável do quadro atual, cujo diagnóstico final foi uma neuropatia óptica isquêmica não arterítica (NOIA-NA).

A hipótese diagnóstica se confirmava em relação a todos os outros critérios para NOIA-NA: faixa etária típica, história de vasculopatia (hipertensão arterial), apnéia obstrutiva do sono, aspecto do nervo óptico (disco óptico pequeno e sem escavação), além do quadro oftalmoscópico (edema de papila) e funcional (alteração do campo visual e discromatopsia leve,ou seja, alteração na visão de cores). Compatível com o quadro também foi a evolução arrastada e os sinais disfuncionais tardios. A queixa visual foi piorando com o tempo e aos poucos os sinais clássicos, ausentes no início da doença, surgiram: a redução da visão central e o defeito pupilar aferente (embora bastante discreto).
Além disso, os dados sistêmicos corroboravam a hipótese: a obesidade abdominal progressiva, a apnéia do sono, além do fato do paciente ter parado de usar o antiagregante plaquetário. Havia um facilitador anatômico presente neste olho, que era o aspecto do nervo óptico. Indivíduos que apresentam este tipo de disco, estatìsticamente são mais predispostos à neuropatia óptica isquêmica (NOIA).

Provàvelmente ele vinha mantendo um estado de hipercoagulabilidade devido à obesidade abdominal e ao sedentarismo, agravado pelo não tratamento da HAS e pela descontinuação do antiagregante plaquetário. A piora da infecção odontológica deve ter sido o “gatilho” do episódio da neuropatia óptica. A presença de alteração morfológica das plaquetas (evidenciada pela observação de macroplaquetas no exame de sangue) corroborava a hipótese de aumento da viscosidade do sangue. Com mais dificuldade em se deslocar, o fluxo sanguíneo não conseguia suprir a demanda. Num nervo óptico com a artéria e a veia coexistindo num espaço apertado, a lentidão da circulação favorecia o acidente isquêmico. E ele acabou acontecendo.

Certeza absoluta não existe nesses casos. Não há exames que comprovem a real seqüência de eventos que culminaram com o acidente isquêmico. Mais uma vez, aqui também dependemos de uma boa historia clínica, da experiência do médico, da atenção aos detalhes do exame físico, de um raciocínio lógico e da observação atenta da evolução do quadro.

O que se pode afirmar é que a seqüência de eventos negativos talvez não tivesse acontecido caso ele tivesse mantido o controle do seu peso, evitado o sedentarismo e não tivesse descontinuado nem a droga que diminuía a viscosidade do seu sangue nem o remédio da hipertensão arterial. E tivesse resolvido o problema odontológico há mais tempo. Logo depois da melhora clínica, ele fez a extração do dente em questão, reiniciou as suas caminhadas (exercício aeróbico), voltou à dieta e prometeu monitorizar melhor a sua hipertensão arterial.

Espero que ele consiga se manter firme no propósito de melhorar a saúde e com isso poder ter a expectativa de uma vida longa e de qualidade.

Defeito campimétrico e AVE…outro caso

O segundo caso de defeito campimétrico como sintoma isolado de acidente vascular encefálico (AVE)

O outro paciente era um homem de oitenta e oito anos quando teve o AVE de apresentação oftalmológica. De forma muito semelhante à do paciente descrito anteriormente, também referiu ter percebido ao acordar uma “mancha no campo visual”. Uma vez confirmado o defeito campimétrico e sem outras possibilidades diagnosticas, foi hospitaliza- zado. Na ressonância magnética o AVE foi confirmado.

Sobrevivente de um câncer (radio e quimioterapia) há pouco mais de dez anos, se sentia bem,não usava nenhuma outra medicação exceto colírios para a única doença que ele sabia ser portador: um glaucoma crônico simples.

Vivia de bem com a vida e era disciplinado em relação à sua saúde. Ou ao que ele conhecia sobre saúde. Mas aparenta- va uma “saúde de ferro”,uma higidez impressionante para a idade que tinha. Muito ereto,magro,falava bem,não tinha nenhuma dificuldade motora.Memória excelente.Uma discreta perda auditiva.Ele sempre me impressionava cada vez que nos encontrávamos.

Há algum tempo é sabido que, em indivíduos com câncer, algumas alterações na “cascata da coagulação sanguínea” estão presentes. As diferentes rotas de funcionamento do organismo, que o levam ao processo oncológico, alteram também o equilíbrio entre coagulação e sangramento. Como um pêndulo, essa relação volta e meia se desloca num sentido ou no outro.

Ele se saiu bem do primeiro acidente vascular, sem nenhuma seqüela. Pouco mais de um ano depois, não resistiu à segunda hospitalização. Entre um episódio e outro já utilizava mais de duas drogas sistêmicas.

O que havia feito o organismo mudar tanto em um ano?

Ou foram dez anos sem sintomas após o câncer e quando eles apareceram nada mais eficiente poderia ser oferecido a ele do que resolver o evento vascular emergencial e tentar mantê-lo mais tempo vivo, auxiliado pela medicação sugerida?  Nada poderia ser feito porque ele já tinha uma idade em que o organismo não tinha mais como se ajudar,dependia exclusivamente da química oferecida,que não foi suficiente ou ele chegou aos oitenta e oito, aparen- temente bem, hígido,porque estava ainda em condições de se manter por mais tempo, se não fosse o “contratempo” surgido? O que aconteceu, de fato? Não saberemos nunca. Cada um de nós ficará com a verdade que mais lhe convier.

O fato é que de nada adiantou o diagnóstico precoce realizado em ambos os pacientes quando do primeiro episódio de AVE deles. Num prazo mais longo ambos tiveram desfechos negativos. Naquela época esses episódios foram como um “soco na boca do estomago”. Mais um.

Sabe como você se sente quando faz tudo certo, pensa que ajudou alguém para em seguida perceber que foi em vão? No caso deles, apenas se acrescentou menos de um ano a mais ao bem estar de um e à sobrevida do outro. Cada vez mais eu me desapontava com a medicina que praticava.

Nunca é demais dizer que nós, médicos, não podemos assegurar qualidade de vida a nossos assistidos se não pensa- mos e agimos visando o longo prazo. Muito menos ainda se não somos capazes de fazer o individuo enxergar que nós não temos o poder de recuperar a saúde de ninguém.

Cabe ao paciente, buscar todas as formas de melhor cuidar de sua saúde enquanto saudável e não apenas quando surge a doença. Neste momento podemos ajudá-lo a melhorar os sintomas, resolver pontualmente o problema que o incomoda, mas de forma alguma podemos garantir qualidade de vida em sua longevidade.

A conclusão é que o cuidado com a saúde deve ser contínuo e não é incompatível com o prazer, desde que haja equilíbrio e bom senso. O controle da higidez deve vir de longe. Começar cedo. É assim que deve ser. Assim como nos preparamos para a vida profissional, etapa por etapa, deveríamos ter a mesma proposta em relação à saúde. Preocupamo-nos com o intelecto e o aprendizado para o futuro, mas na saúde o investimento tem sido zero. Em vez de poupar ou de acrescentar, gastamos nossas reservas na juventude.

Saúde a longo prazo  e  longevidade com qualidade de vida são conquistas dos  próprios indivíduos,apoiados nos cuidados dos médicos que os assistem.Eles não podem nem devem esperar do profissional de saúde solução para todos os seus problemas.Não existe solução eficiente e duradoura para alterações funcionais desenvolvidas dia após dia e devidas, em sua grande parte, a escolhas equivocadas.

A saúde é um bem pessoal e intransferivel.

E uma conquista diária!